É como se residisse nos 17 anos a permissão para os amores
desvairados. E passados alguns anos, fosse a hora dos encontros casuais que se
transformam em amor só depois de muito tempo. Um amor ligado muito mais a
racionalidade de uma relação saudável e à autoadmiração de um casal que a
construiu a dois do que às paixões fulminantes dos namoros juvenis.
Li o seu texto sobre o primeiro amor. Conhecendo-o, não tão
profundamente quanto gostaria, mas o suficiente para saber que, aos 18 anos,
optou pela vida certa dos estudos e escritórios. E aos amores fáceis de uma
menina que lhe apareceu. Não que eu não fosse adepta das mesmas correntes –
presa aos meus patamares, meus moralismos e minhas obstinações.
Mas é como se nele, com ele, por ele, eu pudesse voltar aos
meus 17. E viver outra vez as paixões de anos atrás, quando confundia minha
vida com as histórias de romances de cavalaria. A idade exata em que tudo é à
flor da pele, em que nos transformamos nas reproduções mal feitas de todos os
personagens mais estereotipados das novelas e filmes água com açúcar. Em que
encarnamos os clichês com afinco, e nos deixamos ser ridículos ao se confrontar
com um encantamento distante e sem sexo ou, ao contrário, o fazemos em qualquer
lugar que aparecer mais (in)conveniente.
Eu, compenetrada em ser dona da minha vida, em encarnar a
solidão com orgulho, em construir os primeiros passos tortos da minha suposta
carreira, tropecei no papel do qual fugi, desde os 17. O da menina ingênua, tão
feminina em seus sonhos lunáticos quanto honesta nas suas pretensões. Boba, em
acreditar que a vida se faz em momentos e não, como ele mostrou depois, nas
institucionalidades da rotina adulta.
Acreditei e, pior ainda, demonstrei minha crença, em suas
palavras de bêbado , mais fugazes que a própria noite de bebedeira pois, ao se
despedir de mim, ele já sabia muito bem que a brincadeira tinha acabado. Não só
acreditei nas palavras, mas nos significados de uns poucos beijos.
Desarmada, tive de ouvir na sobriedade da segunda-feira de
que tinha de esquecer qualquer coisa tivesse acontecido. Um esquecimento tão
sem mágoas, tão sem brilho, que desmistificou de uma vez só qualquer ilusão
construída até então.
Minha resposta foi por telefone e sem disfarçar as lágrimas,
uma cena ridícula nesses tempos de amores descartáveis, mas tão bem
intencionada que me livrou de qualquer culpa depois. Uma conversa meio
labiríntica, em que ele não compreendeu direito o que eu queria dizer. Entendeu
muito bem, no entanto, que era desejado por duas mulheres, enquanto podia
escolher apenas uma. E respondeu, por sua vez, com a clareza dos homens adultos
que já fizeram sua escolha. E que, uma vez feita, agora lutava para conservá-la
a qualquer custo e que seus esforços eram gastos na construção desse lar e
dessa vida de que gostava tanto. E que já vivera todas as possibilidades de amores
impossíveis, tendo chegado à conclusão de que o casamento era a melhor opção. Se
enveredar por uma paixão juvenil não era alternativa. Ao contrário, planejava
ter filhos.
As palavras rasgaram os ouvidos, enquanto me vi chorando em
público sem importar com os olhares dos desconhecidos. Estava justamente em uma
ilha de alegria, em meio aos gritinhos de crianças, diálogos espalhados e
beijos de casais, enquanto aguardava para entrar em uma peça de teatro. No local,
alguns cantos emanavam a tranquilidade que meu coração não vivia, ao mesmo
tempo em que eu me sentia morrer depois de ter acreditado viver intensamente.
Ele soube muito bem entrar no jogo e armar os requintes de
novela da história toda. Nisso não estive sozinha. Mas, se para mim aquilo foi
vivido com o fígado, para ele não passou de um casinho divertido de fim de ano,
fruto de um descontrole de quem trabalhou demais e está cansado, de quem
precisou extravasar um dia, mas que retorna ao normal pouco tempo depois. Sua
frieza em relação a tudo me deixou com calafrios de ciúmes e inspirações de
paranoia enquanto ele falava macio com outras mulheres aleatórias. Pouco
depois, sonhei que ele havia procurado minhas melhores amigas e que elas, ao
contrário de mim, tinham escapado de sua proposta com a compreensão das
mulheres seguras.
Mais tarde, minha irmã do meio se assustou quanto eu contei
a história toda, em meio a um instinto protetor de quem vê a caçula se atirar
nos lugares errados. A mais velha, no entanto, com uns anos a mais e já
distante dos amores imbecis da juventude, apenas sorriu e disse ‘Que bom, você
é humana’.
Ele se despediu com um ‘valeu’ e um abraço, em que pude
sentir seu perfume e ele, talvez, meu coração acelerado. Chorei novamente, em frente
ao computador, enquanto cumpria os últimos serviços antes das férias. As
lágrimas e a quentura das paixões impossíveis e solitárias me trouxeram aos 17
anos, junto com alguma energia de menina que perdi nas desilusões de vida
adulta.
Sozinha, por fim, me lancei primeiro ao consolo alcoólico,
depois aos beijos de uma relação sem paixão. Retornei para casa no dia
seguinte, e, enquanto descia a rua ensolarada, cheguei a pensar que também
tomara a resolução do esquecimento.
Uns dias depois, comecei a ler o livro dele. Depois, o livro
que ele recomendara. Depois, todas as músicas que podia, buscando recordações
daquela noite. Por fim, joguei o único presente que ele tinha me dado no mar,
no dia de ano novo, pedindo que Iemanjá compreendesse minhas dores e fizesse
com que ele sumisse da memória e se tornasse mais uma daquelas lembranças
superficiais e anestesiadas.
Me sentia meio anacrônica, vivendo as fases ao avesso. Vendo
nos outros aquelas relações estáveis e seguras e invejando um pouquinho,
querendo me reconhecer nos casamentos que deram certo e na falsa sabedoria
daqueles que escolhem o parceiro ideal. Odiando quem era entusiasta de que o
amor é saber amar e que a convivência pacífica é muito mais importante do que
as paixões eternas. E com um medo da solidão, que tinha se intensificado com os
últimos episódios.
Procurava fugir do assunto e tocá-lo de beirada, sentindo
aquele prazer estranho proporcionado pelas lembranças em voz alta. Em sonhos,
sua imagem deformada aparecia. E a
saudade batia, junto com a vontade de amar.