sábado, 25 de fevereiro de 2012

Tango


É como se residisse nos 17 anos a permissão para os amores desvairados. E passados alguns anos, fosse a hora dos encontros casuais que se transformam em amor só depois de muito tempo. Um amor ligado muito mais a racionalidade de uma relação saudável e à autoadmiração de um casal que a construiu a dois do que às paixões fulminantes dos namoros juvenis. 
Li o seu texto sobre o primeiro amor. Conhecendo-o, não tão profundamente quanto gostaria, mas o suficiente para saber que, aos 18 anos, optou pela vida certa dos estudos e escritórios. E aos amores fáceis de uma menina que lhe apareceu. Não que eu não fosse adepta das mesmas correntes – presa aos meus patamares, meus moralismos e minhas obstinações.
Mas é como se nele, com ele, por ele, eu pudesse voltar aos meus 17. E viver outra vez as paixões de anos atrás, quando confundia minha vida com as histórias de romances de cavalaria. A idade exata em que tudo é à flor da pele, em que nos transformamos nas reproduções mal feitas de todos os personagens mais estereotipados das novelas e filmes água com açúcar. Em que encarnamos os clichês com afinco, e nos deixamos ser ridículos ao se confrontar com um encantamento distante e sem sexo ou, ao contrário, o fazemos em qualquer lugar que aparecer mais (in)conveniente.
Eu, compenetrada em ser dona da minha vida, em encarnar a solidão com orgulho, em construir os primeiros passos tortos da minha suposta carreira, tropecei no papel do qual fugi, desde os 17. O da menina ingênua, tão feminina em seus sonhos lunáticos quanto honesta nas suas pretensões. Boba, em acreditar que a vida se faz em momentos e não, como ele mostrou depois, nas institucionalidades da rotina adulta.
Acreditei e, pior ainda, demonstrei minha crença, em suas palavras de bêbado , mais fugazes que a própria noite de bebedeira pois, ao se despedir de mim, ele já sabia muito bem que a brincadeira tinha acabado. Não só acreditei nas palavras, mas nos significados de uns poucos beijos. 
Desarmada, tive de ouvir na sobriedade da segunda-feira de que tinha de esquecer qualquer coisa tivesse acontecido. Um esquecimento tão sem mágoas, tão sem brilho, que desmistificou de uma vez só qualquer ilusão construída até então.
Minha resposta foi por telefone e sem disfarçar as lágrimas, uma cena ridícula nesses tempos de amores descartáveis, mas tão bem intencionada que me livrou de qualquer culpa depois. Uma conversa meio labiríntica, em que ele não compreendeu direito o que eu queria dizer. Entendeu muito bem, no entanto, que era desejado por duas mulheres, enquanto podia escolher apenas uma. E respondeu, por sua vez, com a clareza dos homens adultos que já fizeram sua escolha. E que, uma vez feita, agora lutava para conservá-la a qualquer custo e que seus esforços eram gastos na construção desse lar e dessa vida de que gostava tanto. E que já vivera todas as possibilidades de amores impossíveis, tendo chegado à conclusão de que o casamento era a melhor opção. Se enveredar por uma paixão juvenil não era alternativa. Ao contrário, planejava ter filhos.
As palavras rasgaram os ouvidos, enquanto me vi chorando em público sem importar com os olhares dos desconhecidos. Estava justamente em uma ilha de alegria, em meio aos gritinhos de crianças, diálogos espalhados e beijos de casais, enquanto aguardava para entrar em uma peça de teatro. No local, alguns cantos emanavam a tranquilidade que meu coração não vivia, ao mesmo tempo em que eu me sentia morrer depois de ter acreditado viver intensamente.
Ele soube muito bem entrar no jogo e armar os requintes de novela da história toda. Nisso não estive sozinha. Mas, se para mim aquilo foi vivido com o fígado, para ele não passou de um casinho divertido de fim de ano, fruto de um descontrole de quem trabalhou demais e está cansado, de quem precisou extravasar um dia, mas que retorna ao normal pouco tempo depois. Sua frieza em relação a tudo me deixou com calafrios de ciúmes e inspirações de paranoia enquanto ele falava macio com outras mulheres aleatórias. Pouco depois, sonhei que ele havia procurado minhas melhores amigas e que elas, ao contrário de mim, tinham escapado de sua proposta com a compreensão das mulheres seguras.
Mais tarde, minha irmã do meio se assustou quanto eu contei a história toda, em meio a um instinto protetor de quem vê a caçula se atirar nos lugares errados. A mais velha, no entanto, com uns anos a mais e já distante dos amores imbecis da juventude, apenas sorriu e disse ‘Que bom, você é humana’.
Ele se despediu com um ‘valeu’ e um abraço, em que pude sentir seu perfume e ele, talvez, meu coração acelerado. Chorei novamente, em frente ao computador, enquanto cumpria os últimos serviços antes das férias. As lágrimas e a quentura das paixões impossíveis e solitárias me trouxeram aos 17 anos, junto com alguma energia de menina que perdi nas desilusões de vida adulta.
Sozinha, por fim, me lancei primeiro ao consolo alcoólico, depois aos beijos de uma relação sem paixão. Retornei para casa no dia seguinte, e, enquanto descia a rua ensolarada, cheguei a pensar que também tomara a resolução do esquecimento.
Uns dias depois, comecei a ler o livro dele. Depois, o livro que ele recomendara. Depois, todas as músicas que podia, buscando recordações daquela noite. Por fim, joguei o único presente que ele tinha me dado no mar, no dia de ano novo, pedindo que Iemanjá compreendesse minhas dores e fizesse com que ele sumisse da memória e se tornasse mais uma daquelas lembranças superficiais e anestesiadas.  
Me sentia meio anacrônica, vivendo as fases ao avesso. Vendo nos outros aquelas relações estáveis e seguras e invejando um pouquinho, querendo me reconhecer nos casamentos que deram certo e na falsa sabedoria daqueles que escolhem o parceiro ideal. Odiando quem era entusiasta de que o amor é saber amar e que a convivência pacífica é muito mais importante do que as paixões eternas. E com um medo da solidão, que tinha se intensificado com os últimos episódios.
Procurava fugir do assunto e tocá-lo de beirada, sentindo aquele prazer estranho proporcionado pelas lembranças em voz alta. Em sonhos, sua imagem deformada aparecia.  E a saudade batia, junto com a vontade de amar.

às vezes tudo parece simplesmente fora do lugar.
quando as coisas se sobrepõe de um jeito maluco, quando a gente deixa a razão de lado porque resolveu que agora é a hora de sentir.
 quando se levanta de manhã e percebe que, mais uma vez, a gente está sozinho, mais uma vez com aquela sensação de culpa a cada três segundos por ter vivido um lado seu ruim ou livre demais para nós mesmos
 quando as imagens ficam distorcidas, quando as amizades são jogadas fora enfim tem dias que tudo parece um turbilhão e nem entendemos mais o que é estar vivendo e ouvimos músicas tentando aplacar o estômago revirado
a sensação de vertigem constante e não sabemos mais até que ponto foi loucura ou razão
 o pior é saber que tudo é novamente
 e as coisas que tocam a morte de leve, o tempo todo, e que a gente não consegue entender direito que é uma tristeza quase que constante
 enfim, as pessoas nos fazem pensar que somos locas ou que não temos amor próprio
 pondo tudo a perder mais uma vez