terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Fim

Dessa vez, ele não estava se fazendo de difícil. Não. Ele permanecia resoluto. Maduro, até. Pensativo, ponderado. No mais, sem paixão....

terça-feira, 25 de junho de 2013

Sobre as pedras



Éramos novos, muito novos, quase sem medo. Meninos, meninas. Éramos muitos.
Passávamos o tempo rodeando lá pela Paulista, num ônibus demorado que nos deixava em qualquer esquina. Era atravessar a cidade ali, enquanto o busão balançava, o sol da tarde de sexta-feira anunciando tudo o que estava por vir. Quanto tinha dinheiro, íamos no cinema, dividindo a sala com uns gatos  pingados. E depois pedíamos café, só para parecer importante. Para parecer como num filme de Godard. Se a carteira tava vazia, o negócio era andar pelas ruas, subir na cobertura dos prédios, fumar um em alguma praça.
Lembro do dia que fumamos um ali atrás do caminhão de carga, no Ceasa. Sol quente torrando, o cheiro de asfalto, só asfalto. Eu, Theo, o Japa e mais um qualquer pra dar um peguinha.
Depois o Japa foi embora, ficou eu e Theo. A tarde começou, nem lembro como ia acabar. Lembro só da sensação da brisa secando a boca, de que tudo de repente parecia lindo, sensível, quente, intenso. Lembro do tempo passando devagar, e do Luis entrando no ônibus se dependurando nas barras feito um macaco, olhando pros nossos olhos vermelhos e dando risada.
Depois, a caminhada na rua, a amnésia, as risadas, conversas entrecortadas. Lembro de esquecer a senha do vale-refeição do meu pai, e de como a gente ficou sem larica. Pra depois ir deitar numa cama e dormir, como duas crianças.
***
Longe?
Bem longe, mas o Cunha sabe.
Meio-dia no metrô, Vila Madalena.
Sol.
O pessoal foi chegando e se reunindo, seus bolsos com maconha, cigarros, o bilhete-único e uns trocados. Todo mundo entre 15 e no máaaaaximo 18. Mas a maioria com uns 16. Brancos.
Embarcamos.
A baldeação é no Paraíso, e depois seguir até o fim da linha, Jabaquara... longe. Pelo menos, pra quem não saía de uns três, quatro bairros estourando, circunscritos a uns 4 km de asfalto, cinemas, bares e casas espaçosas, mais ou menos.
Desce.
Um ônibus e estamos lá. Nem vi, entrei no ônibus, olhava a paisagem como quem faz uma viagem, só que sem prestar muita atenção. O busão balançava, o sol entrava e os cabelos arrepiados pelo campo magnético. Já tínhamos fumado? Eu ainda fumava? Não lembro. Mas o dia tinha gosto de maconha, de qualquer jeito.
Alvarenga. Eu lembrava desse nome? Céu Pedreira. Alvarenga, número qualquer um.
Desce.
Procura o número.
É aqui.
Um parque de diversões, meio de terror, meio salão de festas, fechado. Sem sinal de palco, sem sinal de show. Duas horas de transporte, duas horas de viagem, e um parquinho fechado. O grupo se dividiu, meio confuso. Onde é Sete campos? Alguém descobre.
É ali: entre o parque e uma outra casa qualquer, tem uma passagem, como que secreta. Para mim, era secreta. Passamos.
E depois, vislumbramos a vista, como aventureiros que chegam ao destino depois de uma longa trilha e se deparam com um grande lago azul cristalino: sete campos de areia, divididos por grades, lotados de gente e barulho. A poeira levantava do chão, deixava tudo meio ocre, as peles negras correndo atrás da bola, nossas testas brancas respingando a suor. Ao fundo, antes do céu, surgia um morro, meio que desabando no campão, com casinhas de laje laranja empilhadas, uma sobre às outras. A favela.
A molecada do asfalto também morria de medo de polícia. Claro, moçadinha com cara de maconheiro, policial não fazia nada, mas gostava de assustar e de vez em quando levar um menor pra delegacia, só de graça. Só pra pegar uma graninha com o pai depois.
Mas aí, nesse dia, o Manfrim falou: “Poxa, até que eu tô gostando de ver uns carros de policia?”.
Atravessamos os sete campos, que no fim eram nove. Lá no último, na entrada da favela, era o palco. E os estranhos, de saias compridas, tranças e drédis, pele branca e cara de sujo, não paravam de chegar.
Enquanto o show não começava, fomos beber uma, e não lembro se foi sorvete ou cerveja que ela nos vendeu, mas lembro de perguntar qualquer coisa do bairro. E é perigoso, aqui?
Não, hoje é tranquilo, fia. Mas era bem violento, viu. Um dos mais perigosos da cidade.
Do show, lembro da poeira levantando, do som alto ressoando no coração, a brisa de maconha, fumada ou não e, por fim, todos os hippies dançando em roda, como que comemorando a viagem. Da volta, lembro dos corpos cansados, o calor meio grudado, e dos rostos queimados de sol, como se voltássemos da praia, no ônibus em felicidade extrema e com sensação de missão cumprida: vivemos.
***
O tempo passou e eu fiquei muito mais pesada.
No carro, já de noite, a cerveja fazia efeito. Queria dormir um pouco, mas ele, do meu lado no banco de trás do carro, chegava sempre muito perto, punha a mão em minhas coxas, que eu tinha que tirar como quem não percebeu.
Ele tava com bafo. Eu também devia estar, um dia inteiro de trabalho intenso, na rua, ou melhor, na mata, os cheiros de gente eram muitos, do suor embaixo dos braços ao hálito já não tão fresco. De todo jeito, não foi esse cheiro ruim que me marcou. Ele falava, e a cada frase era pra desabar um pouquinho do meu mundo. O meu mundo de talvez 5 km. Menos cinema, muito trabalho, nenhuma maconha. Só cerveja.
Onde você mora?
Ali, na Pompeia. E você?
Pedreira.
Ali, em Sete campos?
Além de tudo, você ainda conhece minha quebrada?
Ele se perguntava como aquela branquinha, do jornal mais coxinha do país, aquela repórter novata e ingênua, meio maluca, conhecia cantos nos quais nenhuma face branca costumava se aventurar.
Chegávamos em casa, o Benê me levava daquele seu jeito paternal doido, se orgulhando do sorriso na cara da repórter. Ele gostava de viajar.
Olhei de novo, desci do carro. Deixa pra lá, difícil demais...

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Já tenho saudades dos chinelos.
Era quase como em solenidade que ele me emprestava seus chinelos, o pé do mesmo tamanho que o meu.
Algo importante, sabe? Para mim (que não me importo tanto com o chão gelado do banheiro), era sempre um pequeno gesto de carinho, de preocupação. Calçava os chinelos sempre com o maior prazer.
Acho que é o que vai fazer mais falta.