sábado, 9 de junho de 2012

Ressaca

Quase todas as mulheres solteiras que conheço querem namorar. Não são todas porque uma ou outra prefere se esconder  em seduções passageiras, tendo sempre um tanto confortável de homens a seus pés.
Sou mais do primeiro tipo.
Li uma vez um estudo que mulheres com ensino superior são mais propensas a não se casarem.
Talvez seja por isso que conheça tantas universitárias sozinhas - e sempre a procura.

Velhas amigas. A minha amiga mais antiga - já estive com ela em momentos ruins e bons. Ela atravessou essa última decada como grande amiga e companheira durante os anos da adolescência e continua próxima, ainda que distante muitas vezes, nessa entrada para a vida adulta.

Passo os dias em casa e me recordo de Medianeras, filme argentino em que o protagonista vive em reclusão devido às facilidades da era virtual. Não sai de casa nunca e aos poucos vai desenvolvendo uma série de neuroses dos tempos modernos. Como os animais de estimação de apartamento que enlouquecem se o dono não os leva para passear, abandonados e solitários, sem companheiros da mesma espécie.


Talvez fosse o cansaço, o frio. O medo, e o fundo de tristeza. A verdade é que tenho saído muito pouco para a rua. Muito menos do que gostaria. Eu sei, é um problema menor. Mas tento entender o que me faz passar cada vez mais tempo (livre) sem conhecer coisas novas. Acho que é um problema de São Paulo - ando sem paciência para cinemas, teatros, e toda essa dita efervesência cultural que às vezes é tão.... sem sal. Mesmo as coisas de graça.
Me sinto como ermitã isolada, que sofre de uma saudade crônica do mundo e das pessoas, com quem mal conversa e que dedica muito tempo ao que lhe é imposto.

E mais as decepções amorosas, que me vestiram de uma capa de desconfiança e, pior, falta de crença nas instituições e relacionamentos alheios. Não acredito mais em amores fiéis, por mais que às vezes eles pareçam tão bonitos de fora. Não quero interrompê-los, mas às vezes sinto uma necessidade de sugar para mim o amor e carinho que existe entre os outros.

Amarga. Me tornei uma pessoa amarga. Não sei quando isso aconteceu, teria de tentar restituir tudo o que foi minha vida até agora. Tento criar lembranças boas mas o tempo todo o que surge são memórias ruins, que eu gostaria de apagar. Ou caio no pré-julgamento dos outros. Sou tão suscetível...

Segunda-feira. Um bar meio deprimente, sinuca, chopp de graça. Uns caras velhos acompanham a corrida no Jóquei Clube, e apostam tudo o que têm. Estou há duas semanas sem beber. É a primeira cerveja que ponho na boca. Cai pesado. Estou em companhia de pessoas novas, mas com uma intimidade apressada, quase que obrigatória. Ele chega com as duas meninas, mulheres que me fazem lembrar tudo o que eu gostaria de esquecer. Ela, porque é bonita, me confronta com seu domínio e sedução. Ela seduz o tempo todo - não a mim, claro, mas aos homens da mesa.

 Ele é feio. Sua imagem me revolta com todas as lembranças ruins. A falta de cuidado, a carência, a manipulação. Ele me fez uma pessoa pior. Eu não era assim. Foi a primeira briga da semana. Um barraco rápido, mas que criou um constrangimento de leve. Que azedou o clima. Coisa de gente bêbada. Estou ficando louca.


Quinta-feira. Plantão de feriado, dia chuvoso. Tudo cinza, por dentro e por fora. Vou comer pizza na casa de um amigo. Durmo um tempo. Não sei direito o que aconteceu - quando vi, estava dormindo no sofá, no meio da sala. Acordei com a impressão de que falavam sobre mim. Mas durante os cinco minutos que permaneci acordada assistindo a conversa alheia, ninguém deu sinais de me ter notado. Desabei em um quarto. Um amigo veio me acordar. Eu, confusa, pedi desculpas, sei lá porque. Dei a mão a ele pra pegar impulso para descer da cama. Queria ser cuidada. Na sala, todos comentam o casal da noite - não consigo perceber quem é. Não lembro quem é o elemento faltante. Quando me contam, o amargor volta à boca e solto um comentário venenoso, desnecessário e mentiroso. Sinto inveja dela, isso é tão nítido. Não gosto de falar mal, depois fico me sentindo péssima. Talvez eu seja meio ruim. Fico paranóica, achando que ela ouviu tudo. Evito usar o nome especificamente. Estou confusa com o sono e a cerveja misturados. Dou algumas risadas e chego em casa depois de tomar uma chuva gelada.

Sexta-feira. Passei o dia inteiro em casa, me recuperando da noite anterior. Chove, minha irmã está fora e eu passo o dia com meus pais. Telefono para uma amiga, mas ela não atende. Passo um tempo na internet, assisto TV e leio. As horas passam. A noite, encontro uma amiga minha. Vamos a um show. Como sempre, deixo de me sentir bonita assim que ponho os pés na rua. Muito frio, me sinto meio doente. Meio acabada. Sozinha. Mas a conversa vai bem, me sinto segura ao conversar com ela, atualizar as novidades, falar sobre a família, os homens, as desilusões e as vontades. Entramos na balada e o show começa. Os meus velhos amigos se tornaram inimigos, desconhecidos. Não sinto mais empatia por nenhum deles, como se eles tivessem me abandonado. Mas, na verdade, fui em que me afastei. Talvez quisesse esquecer alguns episódios que aconteceram em meio a bebedeira. Bebia demais e ainda bebo. Acho que tenho sangue japonês.
Saio de lá feliz, com ela e dois amigos que não tinham nada a ver com a história. Gosto de conhecer gente nova e a conversa flui com senso de  humor. Nenhum deles me atrai. Vamos para outro lugar. E aí começo a beber. Fico bêbada, na fissura por encontrar minha alma gêmea. Quero dançar. Um dos amigos tenta me beijar. Eu não quero - sei que não quero. Não quero e ponto. Mas ele insiste e eu acabo cedendo. De novo. Mas depois desisto na metade. Ele é diferente - não transparece inteligência pelos olhos, não faz USP e não parece se interessar por cinema, teatro, etc. É feio, mas pelo menos é alto. Lembro do cara baixinho com quem saí algumas vezes e que me tratava bem, apesar de não demonstrar muito interesse por mim. Me bate um desespero. Bebo cada vez mais. Não entendi o que estava fazendo de errado, mas o amigo brigava comigo. A minha amiga não se posiciona e está tudo muito confuso. Ele me chama de mimada, eu me irrito e o barraco recomeça. Fazemos as pazes. Eu quero ir embora desse lugar. Me deparo com um cara negro e bonito na pista. Olho ele e ele começa a dançar comigo. Ele se aproxima de um jeito gostoso e começa a falar. Estou muito bêbada. O papo não convence e ele tem um sotaque carregado demais, repete algumas frases desconexas. De perto, ele não é bonito. Não me interesso e descarto rápido, o que me deixa ainda mais frustrada. Penso em homens com mestrado. Nunca fui dessas e, no entanto, me pego pensando que o mestrado garante que o cara é gente boa. Quase alucino. Entro na fila pra ir embora. Minha amiga me chama e eu volto. Estou só passando o tempo e ainda tenho que tomar mais três cervejas. Estou na segunda e não aguento mais.
Reencontro o amigo. Ele está mais calmo e disposto a fazer as pazes. Fala que sou louca. Umas três vezes. Talvez fosse brincadeira, não era para levar a sério. O fato é que eu realmente estou muito louca naquele  momento. A frase martela. Mimada, louca. Sou mimada louca. Aos olhos deles. Não suporto babaquice. Começo a gritar, xingar. Estrago o clima. Ele fica puto. Armo o barraco, de novo. Impulsionada pela bebida. Vou para casa desolada, ainda sem entender o que aconteceu. Destilando o ódio. Nem sei como chego em casa. Gastei mais dinheiro do que eu gostaria. Mas nem ligo, nem fico com a consciência pesada.

Acordo de ressaca, sem coragem de falar com minha amiga. Ligo para outra amiga. Mando mensagens. Ninguém responde. Falo com uma colega sobre trabalho. Meus pais ainda gostam de mim. Leio alguns contos e durmo. Penso demais na morte e quero reecontrar meu amor. A vida é curta demais. Tenho saudades daquela paixão infrutífera. Tenho saudades dele, muita, mas nenhuma coragem de correr atrás.
A noite, penso que talvez ande assistindo muita novela.