domingo, 19 de junho de 2011

Sentar e ler, sentar e escrever. Sentar, tirar a cabeça do pescoço, e trabalhar. Era um pouco o que faltava nesses tempos de pensamentos e solidão. Porque, senão, passava noites, dias, tardes, manhãs, só pensando.

Pensava nela, nele, neles todos. Pensava também em coisas que não eram pessoas. Pensava na minha casa, no meu carro, na Bahia e na Alemanha.

Lembrava dos tempos passados e daqueles não vividos. Tinha saudades dos tempos da ditadura, da Idade Média e das lareiras nos castelos, das missas de domingo em igrejas góticas e das reuniões com Carlos Marighella.

Então os devaneios iam para a infância, passavam por um mar de recordações confusas, dos anos 90 e de repente percebia a falta que me fazia aquela época em que não existia internet, face, twitter, celular e toda essa compulsão pela comunicação. Lembrava do filtro quebrando no meio da noite e minha mãe, com o copo vazio. Não sei porque a memória dessa noite. Aliás, as noites me são vivas neste tempo. Teve o dia em que meu pai se projetou em um canto, e um outro que quem apareceu foi um cavalheiro medieval (to falando que tenho alguma coisa com a Idade Média). Nunca esqueço do adormecer no bercinho, pensando nos meus brinquedos e, às vezes, silenciosamente com medo, sem coragem de gritar e chamar meus pais, perdida naquela escuridão tão... escura.

Se a infância era a mais distante e nostálgica, a semi-adolescencia era o que mais me doía lembrar. O cabelo armado, tipo vassoura, a vontade de chorar por qualquer coisa, a preocupação com notas, com os outros, com os risos, com os corpos, com os braços, pernas, peitos, pêlos, bocas e os segredos em profusão de todos os lados, segredinhos, fofocas, bilhetinhos, canetinhas de cheiro, roupas, festas...

E então a libertação. Desses tempos também vinham coisas boas. As vezes ruins, mas sempre chegava o sabor das inúmeras paixões, das tardes ociosas, do sol, de ficar duas esperando um ônibus passar.... e o ônibus passava e ia fazendo devagarinho um caminho que demoraria 15 minutos. Mas o ônibus demorava um tempão, a estrutura metálica balançando, parecendo que ia virar. Só comigo dentro, e mais uns poucos gatos pingados, nas curvas do bairro nobre, até chegar no largo de Pinheiros, na confusão das barraquinhas. As vezes eu descia lá e comprava tudo que podia, menos churrasquinho grego.

Um dia ele subiu no ônibus comigo. E aí parecia que o ônibus ia tão rápido, e eu chegava em casa num minuto, ia quase correndo de alegria no ultimo quarteirão. E teve um período de tempo bom e sol, alguns dias de ressaca. Muito vinhos, muita vontade, muito desejo saciado. Depois veio um tempo de chuvas, de mortes, de brigas, de adultérios pensados, de traição no coração. De ciúmes, invejas, mesquinhezas e violência.

E acabou, e virou tudo cinza. Esse tempo também me chega, mas as vezes penso que talvez ele nunca tenha acabado e que minha lembrança seja a vivência do presente.

Porque tenho tidos uns dias cinzas, que nem daqueles outros dias sozinhos, sozinhos, tão doídos e tão sozinhos que não conseguia mais distinguir o preto do branco e foi por isso que tudo ficou cinza. As cores de repente sumiram e tudo se tornou ocre, opaco, apagado.

Enfim, claro que meus pensamentos não param por aí. Eles correm pel o Afeganistão, States, pelo glamour, pela conta bancária, nomes de esmalte e cores de batom. Por idéia mirabolantes de emgrescimento, por planejamentos não realizados, por projetos de pauta, por delírios de investigação, por furos estampados nas primeiras capas dos maiores jornais do país.

Claro, nos meus melhores dias, vão para a vernissage de uma exposição em Paris, onde, é claro, sou a musa inspiradora de um fotográfo dos circuitos marginais, mas comentadíssimo e muito bem descrito pela crítica.

Depois, converso um pouco com cada coadjuvante ou protagonista da minha vida, perpasso os últimos filmes e personagens que entraram na minha cabeça. Reflito sobre minha condição social, sobre os miseráveis no Brasil e claro, na ascensão da Classe C.

Isso porque não comecei nem a falar da família, dos primos, dos Magalhães, dos iugoslavos, dos loucos, dos mortos e dos vivos. Poderia ficar falando até amanhã de todos sonhos e projetos que um dia pensei realizar, de todas as coisas impossíveis e das coisas concretas. Dos meus medos, vontades, anseios, carências...

E tudo isso porque tenho páginas pra ler, horários pra acordar, matérias pra entregar, contas a pagar, pertencer perdidos, festas marcadas, roupas por arrumar, quarto por arrumar, cozinha, sapatos, pastas...

Madrugada

Nessa noite, era jornalista e me chamava Clara. Era mais uma daquelas perseguições de vida ou morte que sempre aparecem nos meus sonhos. Interminável, e, mais do que corre-corre, assassinatos, investigações, furos, proprietários rurais e um sequestro de um bebê, havia também um esquecimento de muitos anos, e saudade de um homem por quem me apaixonei, e também que desaparecera foragido. Reencontrávamos-nos muitos anos depois, em um café no subsolo de um shopping, onde eu trabalhava como garçonete, escondida sob minha dupla personalidade. Reecontro entrecortado pelo nosso fiel perseguidor, agora travestido de um empresário multimilionário que quer dar fim os jornalistas que o descobriram em outros tempos. E, num jogo alucinante de disfarces, abraços (até beijos acalorados), eu acordo em minha cama, como sempre, e tento, insistentemente, dormir mais cinco minutos, tentando recuperar a adrenalina do delírio...

domingo, 5 de junho de 2011

Qual era entao o espelho certo?

Conversava com minha irmã na cozinha, sobre loucura.

Esta, que me perseguia desde a infância. Incompreensível sombra, persistente.

Na maconha que não fumava, no sono caótico, nos presságios realizados e na solidão sempre.

Minha irmã dizia então, ela, que deixava levar-se pelo fluxo das coisas tortas, muitas vezes enclausurando-se em guetos, em outras enfrentando o que não era permitido. Enfim, dizia que a loucura era aquilo que víamos sempre em minha tia e suas amigas, aquela figura caricatural e desatinada. Já eu e ela, éramos apenas um pouco fora da linha.

‘Nós, não seguimos o padrão’, disse. E completou: ‘Deve ser porque temos sangue de cigano’.