segunda-feira, 19 de maio de 2014

-- "A vida sexual do homem bonito". É o meu recém lançado best-seller, arrebatador, eu diria. Trata-se de uma descrição detalhada da rotina de alguns personagens fictícios, porém com fortes inspirações em cidadãos reais, claro. O que é a literatura se não acrescentar sabor a esta que costumamos chamar de vida?

-- Sim, é um contraponto ao também muito vendido  "A Vida sexual da mulher feia". Claro. A ideia não é focar apenas na vida sexual, claro.

 -- O protagonista é um homem de pouco menos de 30 anos. Ele tem o mundo a seus pés, sabe? Divide um apartamento com alguns amigos, mas tem seu próprio quarto, num bairro mais ou menos bem localizado. E lá.... ele leva suas garotas. Sabe, acho que os outros tem curiosidade sobre a vida de quem tem tudo. Ele não é rico, é um cidadão de classe média alta. Meses com mais dinheiro, meses com menos. Mas ele não é tão ligado em dinheiro sabe? O foco não é um desses boys da cidade que conquistam as meninas nos camarotes regados a uísque. Não, o nosso protagonista seduz com a palavra, com suas mãos grandes, seu cheiro de perfume masculino.

-- Se ele se dá mal? Eventualmente... sim, o livro tem alguns maus momentos. Mas... nem se compara com os problemas de uma mulher feia. Nem mesmo com os de uma mulher bonita. Há uma passagem engraçada. O homem bonito... bom, se apaixona. Uma mulher, pouco mais velha, do seu trabalho. Ele a vê, e simplesmente se apaixona. Pelos seus cabelos longos, os olhos claros, o pescoço e pulsos finos. Seios mais ou menos fartos. A pele branca, mas sempre um pouquinho queimada de Sol. O homem bonito se vê às voltas com essa paixão, mas ela tem outro. Ele, no entanto, sabe de seu poder. E parte para o ataque. Eis que, enfim, ele consegue conquistar o coração da moça.

-- Sim, não é tão triste assim. Qualquer outro morreria sem ter a atenção da amada. Mas, bom, ele é homem, e é bonito. Enfim, eis que ele está apaixonado por ela, ela apaixonando-se por ele. Ele a convence a largar seu namorado. Ela hesita, mas então, já mordida pela paixão, entrega-se completamente. Em uma cena dramática, ela larga seu namorado. Os dois atracam-se em uma cena envolvente e ele finalmente a leva à cama. Ele a despe devagar, beijando cada parte do seu corpo -- seu tão sonhado corpo. Sente seu perfume, morde de leve seus mamilos. É a hora. Os dois subitamente param. Ele brocha.

-- Brocha uma vez. Duas, três. Não sabe o que fazer. Isso nunca havia lhe ocorrido antes. Uma ou outra vez, claro... Ele procura ajuda. Começa a duvidar de sua heterossexualidade. Um amigo lhe recomenda um pornô-gay. Bom, sexo é sempre sexo, mas não o suficiente para subir-lhe o dito cujo. Ele vai ao terapeuta, que lhe dá o diagnóstico: uma super idealização e todo aquele papinho freudiano que não interessa aqui. Ele nunca consegue comer a menina, e só resolve o problema bastante tempo depois...

-- Uma média de três mulheres por semana. Nem todas são bonitas. Uma minoria. Sim, ele até gosta de relações mais profundas. Mas como eu disse, o livro não é só sexo. Todo o resto de sua vida é interessante. A forma como ele consegue subir rapidamente em seus empregos, ou como todos ficam quietos quando ele começa a falar. Ou como ele pode andar despreocupado pela ruas, ou como orgulha-se em proteger suas irmãs, ou como disputa com seu pai a liderança da casa. Ele é bem desenvolvido psicologicamente.

-- Sim, o lançamento é no fim do mês. Próxima pergunta....

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Despedida

Como algum de vocês já sabem, pedi demissão e estou deixando a empresa dentro de alguns dias. Foi uma dessas decisões reservadas a alguns momentos específicos da vida, de suspensão total. Ocorre que tenho hoje 23 anos, e de repente senti que esta é a minha última chance de ser jovem. Um conceito um tanto quanto subjetivo, ainda mais para vocês, caros colegas, tão imersos nos números, lucros, juros, e artimanhas do governo.

Foi um prazer trabalhar com vocês, gente tão qualificada. Não sentirei falta das vezes em que não me chamaram para almoçar, vocês, todos tão especiais. De todas as insuportáveis vezes em que algum dos tão numerosos chefes me chamaram, um grito mais ou menos agudo, irritante ao ouvido. “Clara!”, ao qual eu tinha de responder atravessando qualquer distância para atendê-los, tão solícita, a funcionária do mês.

Já sinto o vento do fim de tarde batendo na minha cara, o céu azulando até tornar-se negro, o movimento da noite paulistana. Quantas noites passadas nesta redação insalubre, o barulho insistente do ar condicionado, o movimento mecânico “Ctrl C, ctrl V”, a principal ferramenta do jornalista precarizado dos tempos modernos.

Vou matar a saudade da cerveja gelada do fim de sexta-feira, 18h, todos compartilhando uma sensação de liberdade temporária –até a próxima segunda. Do mundo, enfim, das ruas, das cores. Mesmo que sejam as cores do céu que entrevejo da janela do meu quarto. Já é um passo mais perto da natureza do que aqui, onde as cortinas sempre fechadas escondem a paisagem decaída das ruas da cracolândia. Espero esquecer todas as regras do manual da redação, e todos os comandos do site. Espero recuperar algo que nem mesmo sei que perdi. Uma leveza, e até a capacidade de me apaixonar. Será possível? Talvez ainda haja tempo, e é isso que eu quero descobrir.

Enfim, saio para me lançar a novos desafios: estarei desempregada, lançada ao anonimato e longe das páginas de jornais. Inicio uma nova fase, solitária e isolada e que se estenderá pelos próximos meses.

Desejo toda sorte aos meus amigos de front: aqueles de ‘avaliação baixa’, que, à esquerda ou à direita, entendem as regras do jogo e sua crueldade: somos todos trabalhadores, com contas no fim do mês. Já aos ‘acima da média’ espero que, em algum momento se libertem desse vício que é o jornalismo, que entendam que a vida é uma só, e que talvez não valha a pena gastá-la nesse jogo infrutífero. Quando isso acontecer, deixo meus contatos abaixo, para tomarmos um café demorado, e comer um bolo recém-saído do forno, olfato aguçado para o aroma do ambiente no fim da tarde.

É isso. Agradeço a minha chefe, por todas as portas abertas, mas agradeço mais a mim mesmo por perceber que essas portas levavam ao abismo. Agradeço ao João que, com seus comentários medíocres, foi o empurrãozinho que eu precisava para perceber que aqui, realmente, não era meu lugar. Também à Maria, pelos emails maldosos enviados com cópia a chefia. Foi essencial para que eu tivesse coragem.

Espero encontrá-los por aí, quem sabe, a vida é cheia de idas e vindas.

Abraços,