Como algum de vocês já sabem, pedi demissão e estou deixando
a empresa dentro de alguns dias. Foi uma dessas decisões reservadas a alguns
momentos específicos da vida, de suspensão total. Ocorre que tenho hoje 23
anos, e de repente senti que esta é a minha última chance de ser jovem. Um
conceito um tanto quanto subjetivo, ainda mais para vocês, caros colegas, tão
imersos nos números, lucros, juros, e artimanhas do governo.
Foi um prazer trabalhar com vocês, gente tão qualificada.
Não sentirei falta das vezes em que não me chamaram para almoçar, vocês, todos
tão especiais. De todas as
insuportáveis vezes em que algum dos tão numerosos chefes me chamaram, um grito
mais ou menos agudo, irritante ao ouvido. “Clara!”, ao qual eu tinha de
responder atravessando qualquer distância para atendê-los, tão solícita, a
funcionária do mês.
Já sinto o vento do fim de tarde batendo na minha cara, o
céu azulando até tornar-se negro, o movimento da noite paulistana. Quantas
noites passadas nesta redação insalubre, o barulho insistente do ar
condicionado, o movimento mecânico “Ctrl C, ctrl V”, a principal ferramenta do
jornalista precarizado dos tempos modernos.
Vou matar a saudade da cerveja gelada do fim de
sexta-feira,
18h, todos compartilhando uma sensação de liberdade temporária –até a
próxima
segunda. Do mundo, enfim, das ruas, das cores. Mesmo que sejam as cores
do céu
que entrevejo da janela do meu quarto. Já é um passo mais perto da
natureza do
que aqui, onde as cortinas sempre fechadas escondem a paisagem decaída
das ruas
da cracolândia. Espero esquecer todas as regras do manual da redação, e
todos os comandos do site. Espero recuperar algo que nem mesmo sei que
perdi. Uma leveza,
e até a capacidade de me apaixonar. Será possível? Talvez ainda haja
tempo, e é
isso que eu quero descobrir.
Enfim, saio para me lançar a novos desafios: estarei
desempregada, lançada ao anonimato e longe das páginas de jornais. Inicio uma
nova fase, solitária e isolada e que se estenderá pelos próximos meses.
Desejo toda sorte aos meus amigos de front: aqueles de ‘avaliação
baixa’, que, à esquerda ou à direita, entendem as regras do jogo e sua
crueldade: somos todos trabalhadores, com contas no fim do mês. Já aos ‘acima
da média’ espero que, em algum momento se libertem desse vício que é o
jornalismo, que entendam que a vida é uma só, e que talvez não valha a pena
gastá-la nesse jogo infrutífero. Quando isso acontecer, deixo meus contatos
abaixo, para tomarmos um café demorado, e comer um bolo recém-saído do forno, olfato
aguçado para o aroma do ambiente no fim da tarde.
É isso. Agradeço a minha chefe, por todas as portas abertas, mas
agradeço mais a mim mesmo por perceber que essas portas levavam ao abismo.
Agradeço ao João que, com seus comentários medíocres, foi o empurrãozinho que eu
precisava para perceber que aqui, realmente, não era meu lugar. Também à Maria,
pelos emails maldosos enviados com cópia a chefia. Foi essencial para que eu tivesse
coragem.
Espero encontrá-los por aí, quem sabe, a vida é cheia de
idas e vindas.
Abraços,
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