quinta-feira, 1 de maio de 2014

Despedida

Como algum de vocês já sabem, pedi demissão e estou deixando a empresa dentro de alguns dias. Foi uma dessas decisões reservadas a alguns momentos específicos da vida, de suspensão total. Ocorre que tenho hoje 23 anos, e de repente senti que esta é a minha última chance de ser jovem. Um conceito um tanto quanto subjetivo, ainda mais para vocês, caros colegas, tão imersos nos números, lucros, juros, e artimanhas do governo.

Foi um prazer trabalhar com vocês, gente tão qualificada. Não sentirei falta das vezes em que não me chamaram para almoçar, vocês, todos tão especiais. De todas as insuportáveis vezes em que algum dos tão numerosos chefes me chamaram, um grito mais ou menos agudo, irritante ao ouvido. “Clara!”, ao qual eu tinha de responder atravessando qualquer distância para atendê-los, tão solícita, a funcionária do mês.

Já sinto o vento do fim de tarde batendo na minha cara, o céu azulando até tornar-se negro, o movimento da noite paulistana. Quantas noites passadas nesta redação insalubre, o barulho insistente do ar condicionado, o movimento mecânico “Ctrl C, ctrl V”, a principal ferramenta do jornalista precarizado dos tempos modernos.

Vou matar a saudade da cerveja gelada do fim de sexta-feira, 18h, todos compartilhando uma sensação de liberdade temporária –até a próxima segunda. Do mundo, enfim, das ruas, das cores. Mesmo que sejam as cores do céu que entrevejo da janela do meu quarto. Já é um passo mais perto da natureza do que aqui, onde as cortinas sempre fechadas escondem a paisagem decaída das ruas da cracolândia. Espero esquecer todas as regras do manual da redação, e todos os comandos do site. Espero recuperar algo que nem mesmo sei que perdi. Uma leveza, e até a capacidade de me apaixonar. Será possível? Talvez ainda haja tempo, e é isso que eu quero descobrir.

Enfim, saio para me lançar a novos desafios: estarei desempregada, lançada ao anonimato e longe das páginas de jornais. Inicio uma nova fase, solitária e isolada e que se estenderá pelos próximos meses.

Desejo toda sorte aos meus amigos de front: aqueles de ‘avaliação baixa’, que, à esquerda ou à direita, entendem as regras do jogo e sua crueldade: somos todos trabalhadores, com contas no fim do mês. Já aos ‘acima da média’ espero que, em algum momento se libertem desse vício que é o jornalismo, que entendam que a vida é uma só, e que talvez não valha a pena gastá-la nesse jogo infrutífero. Quando isso acontecer, deixo meus contatos abaixo, para tomarmos um café demorado, e comer um bolo recém-saído do forno, olfato aguçado para o aroma do ambiente no fim da tarde.

É isso. Agradeço a minha chefe, por todas as portas abertas, mas agradeço mais a mim mesmo por perceber que essas portas levavam ao abismo. Agradeço ao João que, com seus comentários medíocres, foi o empurrãozinho que eu precisava para perceber que aqui, realmente, não era meu lugar. Também à Maria, pelos emails maldosos enviados com cópia a chefia. Foi essencial para que eu tivesse coragem.

Espero encontrá-los por aí, quem sabe, a vida é cheia de idas e vindas.

Abraços,

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